Quando começou no negócio das urnas, há mais de 30 anos, as fábricas, por tradição, não só construíam os caixões mas também tratavam dos funerais. Joaquim Castro, que agora é dono da maior fábrica do país e que em breve será a maior da Península Ibérica, tinha pouco mais de 20 anos e logo no primeiro dia de trabalho teve de fazer um funeral.
O defunto só foi descoberto uma semana depois da morte e, quando Joaquim Castro chegou à casa, para tratar do velório, já lá estavam as carpideiras. Só isso foi suficiente para lhe causar horror. Mesmo assim, teve de vestir o morto e tratar do funeral. “Andei dois dias sem comer”, recorda. A experiência foi de tal maneira traumática que resolveu acabar com a tradição e dedicar-se só à construção de caixões. “Afinal as pessoas estão sempre a nascer e a morrer”, pensou, na altura. Mas, aos 57 anos, o empresário diz que continua a não estar familiarizado com a morte. É o primeiro a admitir: “Não consigo ver mortos.”
Só no concelho de Amarante há 21 fábricas de caixões, responsáveis por 75% da produção nacional. A maior, desde 2005, é a Joriscastro, em Fregim. Além de dono do negócio, Joaquim Castro é o presidente da Junta há 22 anos, vai já no sexto mandato. O fabricante de urnas trata dos mortos e, em simultâneo, “da qualidade de vida” dos vivos da aldeia. A crise também chegou a Fregim, mas não atingiu a maior fábrica de caixões do país: a empresa está em fase de expansão e, a partir do próximo mês, vai passar a funcionar em instalações novas, que a vão transformar “na maior da Península Ibérica”.
O ano passado, o presidente da junta e fabricante de caixões produziu cerca de 12 mil urnas, facturou 2,5 milhões de euros e vendeu para o estrangeiro 15% da produção. O segredo para fintar a crise? “As empresas que agora se estão a expandir são as que, no tempo certo, investiram em alta tecnologia”, explica Joaquim Castro, que é filho de agricultores, só tem a quarta classe e investiu 6,5 milhões de euros na nova fábrica. “Agora vou ter de trabalhar muito para pagar isto tudo”, desabafa. E trabalhar muito implica vender mais caixões.
Como construir um caixão: Cada urna demora, pelo menos, “quatro ou cinco horas” a ser construída. Por dia, a fábrica produz entre 50 e 55 caixões e do catálogo constam 40 modelos diferentes. Quase todas as madeiras servem para construir uma urna, tudo depende de como é tratada. “Os acabamentos são fundamentais”, explica Joaquim Castro. As mais habituais são as urnas em pinho ou em madeiras exóticas africanas, além do mogno, do carvalho e da faia. As mais caras são as de pau-santo, que chegam a custar 15 mil euros.
Depois de escolhido o modelo, a madeira entra na linha de produção para ser cortada. Até aqui, o processo em nada é diferente daquilo que acontece numa serração normal. Depois é preciso montar as peças – e o caixão começa a ganhar forma. A seguir, os retoques: tapar buracos, lixar. Segue-se a primeira aplicação de verniz, e cada urna leva três aplicações. Só depois são colocadas as asas exteriores e toda a parte da ferragem. Os interiores são a última fase, a cargo das únicas quatro mulheres que trabalham na fábrica – num universo de 70 funcionários.
Primeiro, o interior da urna é revestido com pedaços de algodão. De seguida é aplicado o estofo em tecido, com agrafos. “Existem 20 tipos diferentes de acolchoados”, descreve Joaquim Castro. Há, por exemplo, o estofo italiano, o estofo roma, o estofo entrançado (com ou sem abas), o estofo camel. O que também não pode faltar dentro do caixão é a indispensável almofada.
Tendências: Os portugueses “ainda são muito conservadores” na morte, é opinião de Joaquim Castro, que quase todos anos se desloca a Itália ou a França, onde visita as principais feiras internacionais do sector. É lá que são apresentadas as novas tendências da moda fúnebre: “Vou lá ver como param as modas”, conta o empresário. Uma das últimas ideias que trouxe para Portugal foi a produção de urnas ecológicas, “em que 60% do material é biodegradável”.
Joaquim Castro conta ainda que todas as regiões do país têm gostos diferentes para a realização dos funerais e mais ainda no que diz respeito aos caixões: “No Minho usam-se muito as urnas de abrir com altar incluído e interior almofadado, enquanto em Trás-os-Montes ainda se usam interiores em renda”, diz. O fabricante sublinha que as rendas, bem como a organza bordada, estão ultrapassadas: “Agora usam-se mais as abas em tecido.”
Nas cores dos caixões, os portugueses também não inovam muito. “Os interiores são quase sempre brancos ou pérola, mas lá fora vêem-se cores como o roxo ou o bordeaux”, conta Joaquim Castro que, no entanto, já construiu urnas todas verdes, vermelhas e azuis, “para adeptos do futebol”. Mesmo assim, poucas vezes chegam à fábrica pedidos exóticos – até porque cabe às agências funerárias serem intermediárias entre a fábrica e os pedidos dos clientes. Joaquim Castro não esquece, no entanto, o maior caixão que construiu. “Tinha 2,25 metros de comprimento… incrível”, conta.
Fruto ou não da crise, está a aumentar o número de pessoas que dispensam a ajuda das agências e tentam negociar o próprio funeral ou, pelo menos, comprar o caixão na fábrica. “Ainda ontem me ligou um casal a pedir que lhes construísse os caixões”, confidencia o fabricante.
Mas pode-se guardar um caixão na despensa de casa, anos a fio? “É claro que sim. Desde que não apanhe água”, avisa o empresário.